Publicado em: 16 nov 2014

Uma criança é vítima de abuso sexual a cada 15 horas na Paraíba

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Laura (nome fictício) tinha apenas 6 anos quando foi abusada pela primeira vez. A menina foi crescendo, caminhando para a adolescência e até os 12 anos a violência continuava. Os repetitivos atos de abuso só foram cessados no último mês de julho, quando enfim o homem a quem um dia ela chamou de pai confessou o crime e foi condenado. Assim como Laura, a cada 15 horas uma criança ou adolescente era vítima de abuso sexual na Paraíba nos primeiros 3 meses deste ano.

O dado de casos confirmados é o mais recente do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) do Estado e mostra que no período foram registrados 149 ocorrências, sendo 110 vítimas meninas e 39 meninos.

Em 2013, os números também assustam. Conforme o órgão da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano (Sedh) foram 665 vítimas e a maioria também foi de meninas, com 515 casos.

O atendimento no Creas está entre os primeiros procedimentos direcionados para a assistência às crianças e adolescentes que sofrem violência, abuso ou exploração sexual. Para agilizar o julgamento dos suspeitos, evitar que eles reincidam no crime e proteger a vítima, a Coordenadoria da Infância e Juventude (Coinju) do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) desenvolve o programa ‘Justiça pra Te Ouvir’, que realiza audiências para colher o depoimento das crianças e adolescentes vítimas de abuso e de outros crimes que infringem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Implantado em 2012 e em execução desde fevereiro de 2013, o projeto já possibilitou 117 audiências em todo o Estado, até o dia 16 de outubro. Somente no ano passado foram realizadas 77 audiências com o mesmo número de vítimas, sendo 55 crianças e 22 adolescentes. De janeiro deste ano até o último dia 16 de outubro foram 40 procedimentos. Neste total de audiências foram ouvidas 51 vítimas e, mais uma vez, as crianças foram maioria, 42, contra nove adolescentes.

Para coletar o depoimento dessas crianças, os juízes das comarcas paraibanas solicitam o projeto que funciona como um consultório móvel onde uma equipe multiprofissional faz a escuta da vítima. A conversa é monitorada por câmeras e em outra sala o magistrado acompanha o depoimento. “Na metodologia aplicada no programa ‘Justiça pra Te Ouvir’ é recomendado incentivar a criança a falar livremente o que se passou, sem externar comentários de juízo; demonstrar que estamos compreendendo a angústia dela e dizer enfaticamente à criança que ela não tem culpa pelo abuso sexual. A maioria das vítimas de abuso pensa que elas foram a causa do ocorrido ou podem imaginar que isso é um castigo por alguma coisa má que tenham feito”, explicou o juiz coordenador da Vara da Infância e Juventude do TJPB, Adhailton Lacet Porto.

A supervisora e entrevistadora forense que realiza as entrevistas com as vítimas, Janecleide Lázaro Oliveira, lembra ainda que as declarações das crianças e adolescentes são feitas através do “Depoimento Sem Dano” em uma sala com elementos lúdicos para facilitar a abordagem. “A violência sexual envolve traumas, estigmas e segredos. Conhecer os meandros dessa realidade, a partir da fala da criança vítima, exige que se estabeleçam interação e vínculo de confiança entre ela e o entrevistador. Há também o cuidado para identificar as falsas denúncias de abuso sexual”, explicou a analista judiciário.
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* Em cumprimento ao ECA, o nome da criança na reportagem e o município de ocorrência do crime não foram citados.

Maioria das vítimas são meninas de 4 a 6 anos

Diante dos casos atendidos pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), a situação passada por Laura ilustra o perfil da maioria das vítimas de abuso sexual: meninas na faixa etária dos 4 aos 16 anos. Outro agravante é com relação à procedência do autor do crime que, geralmente, é alguém do convívio familiar da criança ou do adolescente.

“O abuso e a negligência estão altamente associados à pobreza e a famílias multi-problemáticas. Ou seja, que possuem alcoolismo parental, abuso de drogas, doenças psiquiátricas,violência doméstica e isolamento social. Também existe uma forte correlação entre crianças abusadas e educação precária dos pais, desemprego, pobreza de cuidados e atenção”, acrescenta o juiz Adhailton Lacet. Considerando esse perfil das vítimas, os atendimentos realizados pelo Justiça pra Te Ouvir solicita a presença de profissionais da assistência social do município para suprir outras necessidades da vítima e da família.

“Durante a coleta do depoimento da vítima ou testemunha, a entrevistadora já analisa se ela encontra-se com alguma alteração psicoemocional e até mesmo nos casos de extrema pobreza, de modo que registra em audiência se há ou não necessidade de tratamento psicoemocional ou a presença da secretaria de serviço do município para inclusão da família nos programas de atendimento social”, declarou o magistrado.

Programa ajuda a definir sentenças

O Programa ‘Justiça pra Te Ouvir’ foi criado pelo TJPB em cumprimento a uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expedida em novembro de 2010. Conforme o documento, os Tribunais de Justiça devem criar serviços especializados para a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais.

Assim como o ambiente adequado para a coleta do depoimento especial, os profissionais que entrevistam as crianças também devem estar capacitados para o procedimento.

Para os magistrados, o formato idealizado para coletar os depoimentos tem ajudado nas definições das sentenças quando as crianças ou adolescentes são parte no processo, sobretudo porque ameniza o sofrimento da criança em ter que enfrentar o ambiente jurídico e viver o processo de revitimização.

“Nós precisamos desse auxílio porque a criança quando é violentada sofre vários danos e isso gera uma dificuldade no momento do depoimento. Para uma criança ou adolescente enfrentar um fórum nesse momento é um ambiente hostil. O que nós queremos é extrair a informação da criança, mas minorando os danos às vítimas”, comentou o juiz da Infância e Juventude da Comarca de Patos, no Sertão do Estado, Hugo Zaer.

Já o juiz auxiliar da Infância e Juventude de Campina Grande, Max Nunes, destacou que a iniciativa é importante para identificar a autoria do crime. Contudo, ele lembrou que é necessário que os demais órgãos de proteção aos direitos da criança e do adolescente também atuem para prevenir os casos de violência. “Ainda são necessárias muitas ações, desde campanhas educativas até um maior rigor na legislação. É preciso um olhar mais atento do Estado e das prefeituras para evitar que a violência aconteça. As políticas que nós temos ainda são muito escassas”, criticou.

MPPB: 1,8 mil denúncias este ano

Dados da Central de Apoio Operacional às Promotorias da Infância e Juventude (Caop) do Ministério Público Estadual (MPPB) recebeu 1.832 denúncias, do dia 1º de janeiro até o último dia 29 de outubro. Os números foram repassados pelo canal de denúncias da Secretaria da República de Direitos Humanos, Disque 100 ao órgão estadual.

A coordenadora do Caop, Soraya Escorel, lembrou que o MPPB apura as denúncias e também desenvolve trabalhos preventivos de violência contra a criança e o adolescente. Para a promotora, é imprescindível a atuação conjunta dos órgãos de proteção aos direitos da criança e também a necessidade do apoio às famílias das vítimas.

“A intervenção precisa ter um caráter de apoio e fortalecimento junto às famílias acompanhadas, almejando a concretização da proteção de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Entendemos a necessidade de se fortalecer a rede de atendimento para que num futuro próximo possamos nos orgulhar das ações dos nossos profissionais, que só terão maior eficácia se forem feitas em conjunto e com a união de várias entidades e órgãos governamentais afetas à criança e ao adolescente”, defendeu.

 

 

Portal do Litoral com Jornal da Paraíba




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