Seca gera colapso no Nordeste; bairros inteiros chegam a ficar apenas dois dias por mês com água
Bairros inteiros com apenas dois dias por mês com água. Vinte e oito sem.
É assim que algumas cidades de um dos maiores polos produtivos do Nordeste vivem há meses. Em colapso, ou à beira dele, cerca de 2 milhões de pessoas em um raio ampliado. E toda uma cadeia têxtil que abastece o maior centro comercial do ramo da América Latina.
A região de Caruaru, no interior de Pernambuco, tem duas cidades vitais para a indústria têxtil do Nordeste e Norte do Brasil: Santa Cruz do Capibaribe, onde o Moda Center reúne mais de 15 mil pontos de venda e chega a atrair 100 mil pessoas por dia em junho; e Toritama, segundo maior polo no Brasil para o beneficiamento de jeans. Principal matéria-prima em falta: água.
Em Riacho das Almas, no agreste pernambucano, a saída foi furar poços de até 50 metros de profundidade e trazer água salobra à superfície. Para dessalinizar, uso de energia elétrica e solar. Para entregar à população, fichas telefônicas, iguais às antigas de orelhões.
A cidade possui 16 dessas unidades, espalhadas pela zona rural. Quinze custaram R$ 60 mil cada para serem operadas com energia elétrica e uma R$ 110 mil para funcionar totalmente com energia solar.
“É uma situação muito constrangedora. Na zona urbana as pessoas não estão acostumadas a isso. Você chegar a uma rua e ver aquela fila de moradores, cada um com um balde, para pegar dez, vinte litros, é um negócio constrangedor, para quem pega, para quem distribui”, afirma Roberto Tavares, presidente da Compesa, estatal pernambucana responsável pelo abastecimento no Estado.
O regime de chuvas na região de Caruaru está abaixo do normal há quatro anos. Com o fenômeno El Niño configurado em 2015, a seca deve prevalecer mais uma vez no agreste pernambucano e no Nordeste como um todo.
A falta de água na região de Caruaru veio em cima da crise geral na vendas de vestuário. Alguns atacadistas contabilizam perdas de até 30% desde o início do ano, demitem funcionários e fecham lojas de revenda.
Em lugar das centenas de camionetes Toyotas levando compradores pelas estradas em Santa Cruz (100 mil habitantes) e Toritama (41 mil), a paisagem está coalhada agora de carros-pipas, que precisam buscar água para as cidades cada vez mais longe. As maiores represas da região secaram, como em Poço Fundo e Jucazinho, que tem hoje só 5% da capacidade.
VOCÊ CHEGAR A UMA RUA E VER AQUELA FILA DE MORADORES, CADA UM COM UM BALDE, PARA PEGAR DEZ, VINTE LITROS, É UM NEGÓCIO CONSTRANGEDOR, PARA QUEM PEGA, PARA QUEM DISTRIBUI
ROBERTO TAVARES, presidente da Compesa, responsável pelo abastecimento no PE
Em alguns casos, a distância fez aumentar em até 60% o preço dos carros pipas, que chegam a custar R$ 160 para entregar 11 mil litros de água não potável. Com a barragem seca em Poço Fundo, a população recorre diariamente a baldes e vasilhas para pegar água dos carros pipa.
A situação é mais grave em Toritama, que vive basicamente de beneficiar jeans que vêm do Sul e Sudeste. A Mamute, maior lavanderia local, utilizava 8 bilhões de litros de água por mês para os jeans (cerca de 40 litros por peça). Hoje, tem à disposição apenas 4 bilhões de litros (grande parte reciclada), diminuiu turnos de trabalho de 3 para 1, cortou 16 funcionários (de 84) e prevê mais demissões.
”À crise econômica veio se somar a falta de água”, diz Edilson Tavares, dono da Mamute, que fornece peças para grandes redes do Nordeste e do país, como a Marisa.
Na mesma rua da Mamute, a Rone Jeans passa por drama igual. “Estamos pensando seriamente em demitir já. Mesmo sem água e produção menor, nossos estoques estão abarrotados de roupas que saem de moda rapidamente”, diz José Ronaldo Silva, dono da empresa de 75 funcionários.
O chamado Arranjo Produtivo Local na região próxima a Caruaru gera 150 mil empregos diretos em 18 municípios e movimenta cerca de 700 milhões de peças por ano em artigos de moda.
Em Santa Cruz do Capibaribe, onde funciona o Moda Center, com 120 mil m² de área coberta para revenda de roupas, lojistas falam em “colapso” de vendas por conta da economia em geral e pela falta de água na região.
CAMINHÃO-PIPA PERCORRE A PE-160, RODOVIA QUE LIGA AS CIDADES PERNAMBUCANAS DE SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE E TORITAMAAndré Felipe/Folhapress
As cidades da região vivem basicamente de empregos públicos, repasses da Previdência do governo federal e de programas como o Bolsa Família, que chega a atender a mais de 30% das famílias em alguns municípios.
Depois de ter crescido a taxas “chinesas” na última década, a economia nordestina agora acompanha o ritmo do resto do país e sofre especialmente com a inflação por ter uma renda proporcionalmente menor.
Ajuste fiscal trava obras no Nordeste
O ajuste fiscal do Ministério da Fazenda atrasará ainda mais as obras da chamada adutora do Agreste, obra do PAC estimada em R$ 1,4 bilhão para levar água a 68 municípios em Pernambuco que têm juntos mais de 2 milhões de habitantes.
A região tem o pior balanço hídrico do país (número de habitantes por quantidade de chuvas). Dos 18 municípios próximos a Caruaru em situação de “colapso” neste momento, 15 poderiam ser atendidos pela adutora. No total, há 44 cidades em “colapso hídrico” em Pernambuco, e 26 em “pré colapso”.
O Ministério da Integração Nacional já repassou cerca de R$ 450 milhões para a obra, mas não há perspectiva agora para o restante, diz o presidente da Compesa, Roberto Tavares.
Com o contingenciamento de verbas federais, além da adutora do Agreste, devem atrasar as obras previstas para a Transnordestina, a transposição do rio São Francisco e o chamado Arco Metropolitano, que visa ligar sul e norte de Pernambuco sem necessidade dos veículos transitarem por Recife.
Com Estadão
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