Publicado em: 14 dez 2020

Forró eletrônico faz 30 anos: O empresário que popularizou estilo gerenciando 11 bandas

Emanoel Gurgel é um homem visionário e empreendedor. O cearense de 67 anos diz que já começou do zero mais de 100 negócios, mas só uns dez deram certo e pagaram o prejuízo dos outros.

Várias das iniciativas bem-sucedidas de Gurgel tem a ver com forró eletrônico. Ele é pioneiro na vertente que modificou o “forró tradicional”, eternizado por vozes como Luiz Gonzaga, Elba Ramalho e Dominguinhos. Ouça podcast com entrevista abaixo.

Nesta semana, o G1 publica uma série de reportagens sobre artistas e produtores que viveram o auge do forró eletrônico nos anos 90.

Antes de virar empresário, Gurgel foi camelô. Também vendeu roupas com a mãe pelos bairros de Fortaleza, foi árbitro de futebol e professor de educação física. E sempre gostou de dançar forró.

Ele ia às festas e via que as bandas bailes tocavam rock, MPB, músicas internacionais, mas o espaço para o forró era muito pequeno.

Então, aproximou-se da banda Black Banda, famosa na cidade. Insistiu para que os músicos tocassem por mais tempo, mas não conseguiu porque a rejeição era grande.

“Os músicos se recusaram falando que era muito brega, que não dava certo”, relembra Gurgel ao G1. “Eu disse para eles: ‘Vocês não querem tocar? Então eu vou montar uma banda só para tocar forró e vocês vão ver que eu vou passar lotado por cima de vocês’.”

Deu tão certo que ele não fez uma, mas sim 11 bandas de forró. A primeira tinha o nome de Aquárius, também era de baile e tinha músicos com as mesmas questões da Black Banda.

A formação inicial da Mastruz com Leite saiu direto de uma banda que já tocava no interior do Ceará. “Era só garotão, bonitão, mas tinham vergonha de cantar forró. Eu tive que deixar a banda e montar outra. Peguei pessoas humildes, simples, um era catador de osso no interior do Ceará, outro era motorista de ônibus.”

A Mastruz com Leite começou a fazer sucesso e Emanoel foi criando uma grande estrutura no Nordeste com o Grupo Som Zoom:

  • Construiu um estúdio de gravação próprio que custou, na época, US$ 150 mil;
  • Levou técnicos, equipe de som, motoristas e os melhores instrumentos de São Paulo para Fortaleza;
  • Abriu uma gravadora e editora com mais de 11 mil músicas das bandas;
  • Criou uma rádio de transmissão via satélite com mais de 100 afiliadas;
  • Comprou clubes e virou sócio de festas para colocar as bandas para tocar;
  • E, mais recentemente, criou um estúdio de gravação para TV e internet.

“Tudo que foi de ousadia, nós fizemos para o forró dar certo”, diz Gurgel, orgulhoso da trajetória.

Nos anos 90, a Som Zoom tinha 550 funcionários que trabalhavam na logística das 11 bandas de forró. Hoje, a empresa administra apenas as bandas Mastruz com Leite e Cavalo de Pau, as que tiveram mais sucesso desde o começo.

‘A doidice era grande’

O primeiro disco da Mastruz com Leite, “Arrocha o Nó”, foi lançado em 1992. Diante da dificuldade de encontrar compositores, gravavam “tudo que era sucesso” no começo.

“É o amor”, de Zezé di Camargo & Luciano, e “Pense em Mim”, sucesso com Leandro & Leonardo, estavam neste primeiro disco.

Foi aí que a Mastruz começou a fazer sucesso em Fortaleza. Tocava por cinco horas seguidas e tinha a banda com os músicos “dobrados”. Dois baixistas, dois bateristas, três sanfoneiros e assim por diante, que se revezavam durante os shows.

Emanoel viu que a oportunidade e começou a criar outras bandas para atender à demanda.

“A casa cabia 10 mil pessoas, ficava 10 dentro e 5 mil do lado de fora. O que eu fiz? Criei uma banda chamada Mel com Terra. Nós fazíamos um show em duas casas. O Mastruz tocava 2h e meia em uma casa e ia tocar depois em outra casa”, conta.

“Eu vendia uma de um lado e outra do outro. Em vez de ter um faturamento, eu passei a ter dois, só que ainda foi pouco. Teve que ir para três, quatro, cinco até chegar a 11 bandas. Tinha noite em Fortaleza de fazer quatro festas e as bandas tudo rodando. Foi assim que eu ganhei dinheiro, foi assim que eu ganhei muito dinheiro.”

O empresário lembra que a “doidice era grande” em 1993, ano do lançamento de “Meu Vaqueiro, Meu Peão”, um dos maiores sucessos da Mastruz com Leite (ouça no podcast acima).

A correria do trabalho era tão grande que ele ficou um ano sem ver direito os filhos e, para resolver isso, comprou uma casa a 20 metros da empresa.

Hoje, seis dos sete herdeiros trabalham nos negócios do pai. Só o mais novo está de fora, porque ainda está estudando.

Levada diferente

A Mastruz com Leite e as outras bandas do começo dos anos 90 incorporaram elementos que não faziam parte do jeito tradicional em que se tocava forró.

As bandas trouxeram letras mais urbanas, deixaram a bateria mais programada e, inicialmente, parecem ter inovado ao trazer novos instrumentos, mas não é bem assim. Quem explica é Climério Oliveira dos Santos, músico, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco.

“Eles enfatizaram instrumentos como guitarra, bateria e metais, mas não criaram isso. O Jorge do Altinho já tinha usado isso nos anos 80 e Jackson de Pandeiro já tinha feito bem antes.”

“A Mastruz com Leite usava só um sax, e depois, na segunda geração de bandas, os metais viram um naipe que vão praticamente substituir, ou melhor, vão fazer mais o papel dos interlúdios, dos solos, do que a própria sanfona”, explica o pesquisador.

O pesquisador divide o movimento que ficou conhecido também como Oxente Music ou New Forró, em duas gerações.

A primeira geração com bandas como Mastruz Com Leite, Magníficos e Limão Com Mel e a segunda, com Calcinha Preta, Aviões do Forró, Saia Rodada e Garota Safada, criadas do meio dos anos 90 até o começo dos 2000.

Santos percebe que o movimento no forró foi natural e fez parte da tendência pop que estava em alta na indústria da música no mundo inteiro.

“Já tinha no mundo globalizado da indústria transnacional do disco artistas como Michael Jackson e Madonna. Eles já tinham engendrado esse fluxo de música pop, dos grandes espetáculos, dos clipes grandiosos, muita luz, muito som”, explica o pesquisador.

Ele cita a axé music como outro exemplo de tendência pop. O que não era natural era a estrutura 360 graus que Emanoel construiu em Fortaleza.

“Era uma nova gestão empresarial de banda-empresa. Houve uma sobreposição de atividades às quais as gravadoras estavam fazendo exatamente o contrário. Ao terceirizar o papel da rádio na divulgação, o papel do estúdio de gravação, as empresas ficavam mais com a distribuição e o marketing. O Emanoel Gurgel vai inverter esses papéis e retomar a sobreposição dessas atividades”.

A estrutura, aliás, é algo que orgulha Gurgel: “Aqui eu tenho uma fábrica de forró, que eu começo do zero e vou até o final com tudo que é nosso. Não existe atravessador no nosso negócio”.

“Você tem que tirar partido daquilo que todo mundo está vendo, mas ninguém está enxergando e transformar aquilo em negócio”.

Jabá e pirataria

Outra barreira inicial que Gurgel enfrentou foi a dificuldade de tocar forró nas rádios, mesmo pagando jabá. Ele diz que se fosse no mês de São João, os programadores até tocavam, mas em outras situações era “dinheiro jogado no lixo”.

Essa dinâmica foi um dos motivos para abrir a Som Zoom Sat em 1997, uma rede de rádios por satélite que chegou a ter mais de 100 afiliadas, em que produzia o conteúdo e colocava as músicas de forró para tocar. “A gente faz tudo para divulgar o forró”, defende Emanoel.

No auge, o Mastruz com Leite chegou a vender de 270 a 300 mil CDs por mês. “Para você ter ideia, a gente chegou a ter 8,4% do faturamento nacional de venda de CD”, diz Gurgel.

O empresário viu o número cair em quase 90% quando a pirataria entrou forte no mercado. A venda caiu para 30 mil e hoje a banda vende 5 mil por ano “período de festas”.

“Eu não sei nem sei quantos mil CDs a gente perdia de vender… É por isso que a Mastruz em 30 anos tem 46 CDs, porque teve ano que eu tive que lançar duas vezes para atropelar os chineses que estavam falsificando o CD.”

Foi nessa época que a empresa reduziu de mais de 500 funcionários para cerca de 100, número que se mantém até hoje. “Das 11 bandas que tinha, só têm duas hoje, a pirataria levou o resto”.

3 mil bandas de forró

Depois de investir, de viajar o país, de administrar tantas bandas e, de claro, ganhar muito dinheiro, Gurgel fala sobre o legado daquele início do forró eletrônico.

“No Nordeste, quando nós começamos, existia a figura de um pedinte nas feiras, pedindo esmola com a sanfona. Esse pedinte não existe mais, ele está trabalhando hoje em uma banda de forró.”

“Eu fico contente porque, hoje, existe no Nordeste aproximadamente 3 mil bandas de forró. Todas elas vivendo, menos com essa pandemia que agora deve quebrar mais da metade, porque não tem como se bancar, sem festa, sem fazer nada e com todo mundo parado”, lamenta.

E o que dizer do forró de hoje? A avaliação do empresário não é positiva: “Perdeu a melodia, perdeu tudo”. “Mastruz, Magníficos e Limão tem um evento chamado ‘Forrozão das Antigas’ que roda o Brasil todinho e lota todas as casas. A gente vive hoje porque são músicas com letras e melodia.”

“Hoje, existe um tipo de música que nós não gravamos que é ostentação, botar uma garrafa de whisky em cima da mesa, quatro energéticos. Nós somos partidários que a música de forró foi feita para dançar junto e não ficar dançando solto”, finaliza.

G1




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