‘Mendigata’ de Niterói sai das ruas e é internada em clínica de reabilitação
NITERÓI — Entre os significados da palavra oportunidade, no dicionário, estão “possibilidade de melhorar de vida”, “algo novo que traga benefícios” ou “um acontecimento oportuno capaz de melhorar o estado atual de um indivíduo”. Para a moradora de rua Jéssica Pinto da Luz, de 22 anos — a “mendigata” da Avenida Amaral Peixoto —, tudo isso se resume a uma chance que possa livrá-la do vício das drogas e, consequentemente, devolvê-la à companhia da filha de 1 ano, que atualmente está em Sorocaba (SP), sob os cuidados da irmã.
Desde que teve o seu drama pessoal mostrado em reportagem publicada domingo passado no GLOBO-Niterói — e visualizado mais de 530 mil vezes no site dos Jornais de Bairro —, Jéssica recebeu inúmeras propostas de ajuda, entres elas a oportunidade se tratar numa das principais clínicas de reabilitação do país, no interior de São Paulo. O convite foi feito por uma emissora de TV, que está custeando todas as despesas da jovem.
Quem também se comoveu com a história de Jéssica foi a modelo Fernanda Lacerda, a “Mendigata” original do programa “Pânico”, que revelou a intenção de conhecê-la e, quem sabe, ajudá-la. Jéssica sonha ser atriz ou escritora.
PLANOS PARA O FUTURO
Na última terça-feira, Jéssica trocou a calçada da Amaral Peixoto, onde morava desde o início do ano, por um confortável quarto de hotel no Centro do Rio, e, no dia seguinte, antes de embarcar para São Paulo e iniciar o tratamento, fez questão de se despedir de amigos que a ajudaram nas ruas de Niterói.
— Eu precisava vir aqui para agradecer a essas pessoas que tanto me ajudaram. Sei que tem muita gente que está torcendo por mim, pela minha recuperação. E é isso o que eu mais quero na vida: me curar desse problema com as drogas, me estruturar, trabalhar e poder ter de volta a companhia da minha filha — planejava Jéssica, emocionada, enquanto abraçava os amigos.
DESPEDIDA DOS AMIGOS
A estudante Linda Kátia lembrou-se do dia em que conheceu Jéssica, há cerca de quatro anos, em Itaipu, onde mora:
— Ela me pediu um copo d’água, e eu dei, com um sanduíche. Ali começamos uma amizade. Ela chegou a morar lá em casa durante um tempo, mas depois, por causa das drogas, voltou para as ruas. Mas eu e minha família amamos a Jéssica. Ela é minha amiga, uma pessoa boa e desejo muito que ela consiga se recuperar.
O porteiro José Aldir dos Santos, a quem Jéssica chama de coroa e considera um pai, foi o protagonista da tarde de despedidas. Tímido, ele passou alguns minutos abraçado à menina quase em silêncio. Nos poucos momentos que fez uso de palavras, destacou as mudanças repentinas na vida dela.
— Ela está cheirosa, limpinha, arrumada e muito feliz. Acho que agora ela vai se recuperar e dar a volta por cima.
‘MENDIGO GATO’ SE MUDOU PARA NITERÓI
O ex-morador de rua Rafael Nunes ficou conhecido nacionalmente como “mendigo gato” após ter sido fotografado maltrapilho, em frente à Catedral Basílica de Curitiba, e ter as fotos divulgadas em redes sociais.
Ex-modelo, dono de uma beleza invejável, Rafael havia perdido a guerra contra as drogas, que usou durante 14 anos, e morava nas ruas da capital paranaense. Após exposição de sua história na mídia, o ex-modelo ganhou oportunidade de fazer tratamento do vício e hoje, em recuperação, trabalha como cozinheiro num restaurante na Zona Sul de Niterói, onde mora com o filho Tito, nascido em setembro, e a noiva, a jornalista Clarissa Couto.
— Sem o consumo do álcool e das drogas a vida é bem melhor, tem muito mais sabor. O nascimento do meu filho também ajudou muito a me fortalecer e a permanecer longe das drogas — acredita Rafael, aconselhando Jéssica, viciada em tíner, sobre a importância da família na recuperação. — Primeiramente a pessoa tem que admitir que foi derrotada pela droga e tem que procurar ajuda. O próximo passo é contar com o apoio da família e dos amigos mais próximos — disse Rafael.
A mãe de Rafael, Edit Claurene da Silva, comemora a recuperação do filho — ele garante estar “limpo” desde que saiu da clínica de recuperação, em agosto de 2013, também manda um recado para Jéssica:
— Hoje o Rafael voltou a ser aquele menino que eu criei, educado, correto, amável. E esse bebê ajudou mais ainda. O Rafa é um paizão. Foi ele que cortou o cordão umbilical, é ele que troca as fraldas do meu neto…. Se derem uma chance a essa menina (Jéssica), e ela quiser realmente se recuperar, ela consegue. Meu filho é um exemplo disso.
COMOÇÃO E POLÊMICA ENTRE OS INTERNAUTAS
A reportagem com a história da moradora de rua Jéssica Pinto da Luz teve grande repercussão na internet e gerou polêmica nas redes sociais. Na página dos Jornais de Bairro foram 534 mil visualizações entre sexta-feira passada e ontem — a matéria mais lida do mês. No Facebook, o link da reportagem foi compartilhado quase 4.500 vezes e teve mais de 2.100 comentários. Enquanto parte dos internautas se mostrou comovida com a história, outra reclamou do fato desta comoção acontecer apenas pela fato de ser uma jovem bonita, enquanto existem inúmeros outros casos parecidos que são ignorados.
Para Felipe Pena, psicólogo, jornalista e escritor, a grande repercussão da reportagem aconteceu porque a sociedade fecha os olhos para o que não quer ver, joga para debaixo do tapete o que incomoda a sua falsa estabilidade emocional e cria “rótulos terríveis para justificar sua cegueira”. Um desses rótulos é ligado à estética.
— No caso em questão, cria-se o raciocínio de que o mendigo só pode ser feio, mas Jéssica rompe com esse rótulo e causa estranheza. Em boa parte dos casos (sem generalizar), quem a ajuda está tentando reconstruir suas próprias defesas psíquicas para a cegueira social — explica.
Para ele, a única maneira de ajudar é abrir os olhos, o que parece simples, mas não é:
— Precisamos de uma reconstrução cognitiva em toda a sociedade. Abrir os olhos não significa apenas enxergar o outro. Significa enxergá-lo como semelhante e querer para ele as mesmas oportunidades que nós temos. O nome disso é empatia.
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