Publicado em: 19 out 2020

Livro de pesquisadora pernambucana apresenta novo foco sobre Revolução de 30

Até parece obra de ficção o drama de João Pessoa, assassinado pelo adversário político João Dantas, que foi morto na Casa de Detenção do Recife; e a morte de João Suassuna, acusado de cumplicidade no homicídio do então governador da Paraíba, vice na chapa de Getúlio Vargas à presidência da República pela Aliança Liberal. Os desdobramentos deste episódio levaram à deflagração da Revolução de 30, movimento que neste mês completa 90 anos. Oportunamente, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) publica Três homens chamados João – Uma tragédia em 1930, da escritora Ana Maria César. O lançamento será nesta quinta-feira, dia 22, às 17h30, no canal da Cepe no YouTube, com bate-papo entre a autora e o editor Diogo Guedes.

O livro traz um novo foco sobre o mais importante movimento revolucionário brasileiro, ratificando historicamente a vocação libertária de Pernambuco, que protagonizou a Revolução Pernambucana de 1817, a Convenção do Beberibe, a Confederação do Equador e a Revolução Praieira. Para escrevê-lo foram necessários quatro anos de dedicação ao tema, obedecendo à precisão historiográfica. Na pesquisa, a autora privilegiou os jornais locais a fim de captar o entusiasmo, a comoção, o desvario do povo vivendo um novo momento.

Além da perspectiva nordestina da história, e da sacada dos três homens chamados João, um importante diferencial do livro está na riqueza da linguagem narrativa, que se assemelha ao que há de melhor em estilo literário. Essas características, aliadas à capacidade imagética da escritora, conduzem o leitor ao ambiente da época. É como se a própria Ana Maria tivesse vivido os acontecimentos de então. O teor passional e trágico dos acontecimentos também permitiram à autora uma construção mais despojada. Algumas vezes até mesmo poética.

“Chego a ver o tumulto da Rua Nova na tarde de 26 de julho (data do assassinato de João Pessoa). Percebo a agonia de Augusto Caldas (preso injustamente com o cunhado João Dantas) na Casa de Detenção. Sinto o vento que dança nos cabelos de Ritinha (Rita de Cássia Dantas Villar, mãe do escritor Ariano Suassuna), no Porto do Recife, se despedindo de João Suassuna (que foi à capital, Rio de Janeiro, provar sua inocência, e lá foi morto). Ouço o martelar da máquina de escrever de João Dantas em Olinda, escrevendo mais um artigo contra João Pessoa. Acompanho a trajetória de desespero de Anayde Beiriz até o momento final. E então escrevo. Porque o que sou mesmo é escritora”, define-se Ana Maria.

A fim de apreender armas e munições que pudessem ser usadas numa possível revolta, João Pessoa mandou a polícia revistar as casas dos suspeitos. No dia 10 de julho de 1930 invadiram o escritório do advogado e jornalista João Dantas.

Embora a polícia não tenha encontrado armamento, com a intenção de desmoralizar e atingir a honra de João Dantas, o jornal estatal A União iniciou a publicação dos papéis ali apreendidos, cartas e telegramas de familiares e correligionários, peças de processos de constituintes, promissórias, um diário, “confidência da mais repugnante politicagem”, alardeava a folha.

E no dia 26 de julho, o advogado entrou na Confeitaria Glória, no Recife, onde o presidente da Paraíba se encontrava, e matou João Pessoa com três tiros de revólver. A comoção popular levou ao movimento armado em 3 de outubro, considerado vitorioso em 24 de outubro.

Fascinada pela história, a escritora recifense ressalta a ancestralidade paraibana e sertaneja. “Meus pais eram fervorosos adeptos da Aliança Liberal. Quando eu tinha 12 anos, na Praça João Pessoa, meu pai narrou para mim a Revolução de 1930. Claro que não lembro nada do que ele disse, mas possivelmente aquela narrativa ficou no meu inconsciente como uma epopeia do nosso povo. Agora me sinto em paz. É como se tivesse cumprido um pacto, contar a história do ângulo dos nossos dois Estados”, destaca Ana Maria.

No prefácio, a professora e escritora pernambucana Margarida Cantarelli, ocupante da cadeira 9 da Academia Pernambucana de Letras, diz que muito já se escreveu sobre a Revolução de 30, mas que a autora conseguiu ir além do que já foi produzido sobre o tema. “Ana conseguiu trazer fatos e interpretações novos ao que se supunha definitivamente esclarecido ou adormecido”, diz.

Sobre o teor dramático da história e sua semelhança com a ficção, a acadêmica lembra o filme da cineasta Tizuka Yamasaki, Parahyba Mulher Macho. Em 1983, quando Margarida era chefe da Casa Civil do Governo de Pernambuco, presenciou algumas cenas gravadas nas dependências do Palácio do Campo das Princesas. No elenco, Tânia Alves, como Anayde; Walmor Chagas protagonizava João Pessoa; e Cláudio Marzo, João Dantas.

DESTAQUE

“O subtítulo do livro – uma tragédia em 1930 – revela o que penso do assassinato dos três homens chamados João. Nessa trajetória, me irmanei com o drama dos personagens e, sobretudo, com o povo, em seu entusiasmo mais verdadeiro e em sua comoção mais aterradora”, ressalta a autora.

Alguns capítulos foram reticulados, a pedido da escritora, para diferenciá-los dos demais, que tratam de política, dissenções partidárias, processos judiciais. Nesses, cujas páginas receberam uma cor acinzentada, Ana Maria descreve as tragédias, individuais ou coletivas. Optou por enumerar os 40 capítulos nos quais usa epígrafes e frases icônicas tomadas de empréstimo a personagens do livro para servir de abertura de cada capítulo.

Em relação à figura de Anayde, Ana Maria conta que pouco se sabia a seu respeito, apenas que havia morrido no Asilo Bom Pastor, no Recife, após ingerir veneno. “Falava-se de uma carta que teria endereçada à mãe, antes de morrer, mas que havia desaparecido. No entanto, ao tomar conhecimento do meu trabalho, Margarida Cantarelli disse que o inquérito sobre a morte de Anayde, inclusive a carta que escrevera à mãe, encontravam-se no cofre do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. A importância desses documentos é trazer à luz da História um fato novo, até então desconhecido, prova de que a História não tem ponto final”, destaca a autora de Três homens chamados João – Uma tragédia em 1930.

SOBRE A AUTORA

Ana Maria César é pernambucana do Recife. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Recife (atual UFPE) e em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica de Pernambuco. Publicou livros de ensaios, poesia, memórias, ficção e história, incluindo, pela Cepe Editora, A faculdade sitiada e Último porto de Henrique Galvão. É membro da Academia Pernambucana de Letras, da Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro (onde exerceu a presidência em três gestões), da Academia Recifense de Letras e da União Brasileira de Escritores (UBE).

 

Serviço

Live de lançamento do livro Três homens chamados João – Uma tragédia em 1930, com participação da autora, Ana Maria César, e o editor da Cepe, Diogo Guedes

Quando: 22 de outubro

Horário: 17h30

Endereço: Inscreva-se no canal da Cepe no YouTube, bit.ly/canalcepe

Preço: livro impresso R$ 50,00 e e-book R$ 15,00

O livro impresso está condicionado ao retorno das atividades presenciais do parque gráfico da Cepe, suspensas em função do isolamento social imposto pela pandemia no novo coronavírus

 

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