Publicado em: 18 jan 2017

‘Há meninas com pênis e meninos com vaginas’: a polêmica campanha sobre transexuais

Durante seis dias, de 10 a 16 de janeiro, 150 cartazes com o desenho de quatro crianças nuas e sorrindo foram colocados em ônibus e estações de metrô nas comunidades autônomas (Estados) de País Basco e Navarra, no norte da Espanha.

Neles, lia-se: “Há meninas com pênis e meninos com vagina. É simples assim. A maioria deles sofre diariamente, porque a sociedade não conhece essa realidade”.

O objetivo da organização por trás deles, a Chrysallis, uma associação de famílias de menores transexuais, é dar visibilidade à situação em que vivem crianças transexuais e combater o preconceito contra elas.

Mas a campanha causou polêmica.

De acordo com Beatriz Sever, porta-voz da Chrysallis, um dos cartazes foi rasgado, uma cruz foi colocada sobre outro, e, em um terceiro, foi desenhado um pênis e uma vagina. “Mas isso só aconteceu com alguns”, disse Sever à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

‘Parte da natureza’

Ela conta que, quando a campanha foi criada, não pensou que pudesse ferir a sensibilidade de alguma pessoa ou grupo.

“Na organização, temos membros que são católicos e de diferentes inclinações políticas. Só um grupo bem pequeno da sociedade rejeitou a campanha. Não tem nada de ofensiva. São corpos de crianças, é parte da natureza”, afirma Sever.

Cartaz da campanha da ChrysallisDireito de imagemCHRYSALLIS
Image captionA campanha gerou críticas, mas também manifestações de apoio

“O cartaz mostra como nossas genitálias não têm nenhuma importância, mostra crianças felizes independentemente do que têm entre as pernas.”

Ela explica que a campanha busca falar de um problema enfrentado por muitas crianças e suas famílias e gerar um debate com base em argumentos racionais e científicos.

“Queremos transmitir a mensagem de que a natureza não é uma máquina de xerox, que a natureza é diversidade.”

A campanha explica que uma pessoa transexual não sente pertencer ao sexo biológico com o qual nasceu.

“A transexualidade é a condição em que o gênero de uma pessoa (aquele percebido por ela) não corresponde com o que lhe foi designado com base em sua genitália ao nascer”, explica a organização Chrysallis em dos seus folhetos informativos.

Abaixo-assinado

A organização Centro Jurídico Tomás Moro, que diz defender “a dignidade da pessoa, da família e dos direitos humanos como reflexo do direito natural”, está liderando um abaixo-assinado digital contra a campanha com o título “No transporte público, se fomenta a corrupção de menores”.

Mais de 9 mil assinaturas já foram recolhidas na petição, direcionada ao Promotor para Assuntos de Menores do País Basco.

Paralelamente, o grupo planeja levar uma denúncia formal à Justiça. No entanto, ainda não foi apresentada à Promotoria, porque os advogados à frente da iniciativa esperam que a Chrysallis esclareça de onde tirou as informações, incluída nos cartazes, de que “a taxa de tentativa de suicídio entre adultos transexuais a quem foi negada sua identidade durante a infância é de 41%”.

À BBC Mundo, Sever disse que o índice de 41% têm base cientítifica e foi demonstrado por estudos recentes.

‘Corrupção de menores’

De acordo com o advogado Javier María Perez-Roldón, membro do Centro Jurídico Tomás Moro, a campanha é “ilegal e enganosa”.

“Apela-se ao medo. Querem forçar menores de idade a serem submetidos a cirurgias para mudar de sexo. Estão tentando normalizar essa operação”, afirma ele.

Em seu site, o grupo é bastante crítico aos cartazes. “A campanha não pretende só normalizar a transexualidade entre menores (que é estatísticamente inexistente), mas fomentar entre os menores determinadas condutas sexuais que não estão de acordo com sua idade.”

E prossegue: “A campanha não apenas supõe uma publicidade enganosa ao se opor ao critério científico e biológico, mas supõe um possível delito de corrupção de menores já que, nos cartazes, figuram menores explicitamente nus.”

O grupo ainda considera “inadimissível a hipersexualização da conduta de menores mediante campanhas juridicamente inadimissíveis e moralmente reprováveis”.

Também demanda que a Promotoria ordene a retirada dos cartazes e investigue e puna “os responsáveis pela corrupção de menores”.

‘Onda de apoio’

De acordo com Natalia Aventi, presidente da Chrysallis, o número de membros da organização aumentou desde 2013 de 6 famílias para 425 integrantes.

Uma das razões para a criação da organização é que as famílias de transexuais não recebiam respostas dos órgãos públicos nem da comunidade LGBT.

Por isso, decidiram organizar-se para apoiar as famílias com filhos transexuais e tentar gerar mudanças na legislação por meio da campanhas como a realizada na semana passada.

Sever destaca que as recentes críticas também levaram a uma “onda de apoio” à organização.

Um deles partiu do Parlamento de Navarra na última segunda-feira, quando foi aprovada uma declaração institucional em que “reitera seu apoio e reconhecimento dos direitos das pessoas transexuais, às famílias de menores transexuais e à campanha criada pela associação Chrysallis para fazer com que a realidade desses meninos e meninos seja conhecida”.

O texto foi aprovado de forma quase unânime, com o Partido Popular de Navarra (PPN) se abstendo da manifestação de apoio à campanha.

De acordo com a agência de notícias EFE, a porta-voz da legenda, Ana Beltrán, justificou a abstenção ao dizer que ela não parece ser “adequada”.

Ainda que tenha reiterado que o PPN “sempre” apoiou os direitos de transexuais e expressado respeito a eles, especialmente quando se trata de crianças, ela disse que destacar que “há meninas com pênis e meninos com vagina” parece ser algo “extremamente explícito e que pode ser feito de outra forma”.

BBC



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