Publicado em: 14 ago 2015

A pax do mercado: as propostas do empresariado para salvar Dilma

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Eis que finalmente sabemos o formato da espada que nesses últimos meses lentamente desceu em direção ao pescoço da presidenta Dilma Rousseff.

O tamanho da ameaça foi apresentado hoje pelas mãos do ministro Joaquim Levy e do Presidente do Senado, Renan Calheiros, e é agrupado num conjunto de propostas a ser aplicado em várias áreas de grande interesse do empresariado, brasileiro e estrangeiro (veja ler as propostas clique aqui).

Essa é a senha definitiva para o fim da crise, a solução perfeita para um conflito que se desenvolveu como uma grande ameaça até que, visivelmente fragilizada, Dilma não tivesse condições de dizer não.

Eis os prováveis motivos para a antecipação do recuo do Financial Times, da Bloomberg, da Globo e da Folha. São os termos de uma rendição que Dilma, antecipando-se, já declara que “coincidem plenamente” com o que o governo pensa para superar a crise “a agenda positiva para o país”.

“Muitas das propostas do presidente Renan coincidem plenamente com as nossas. São propostas muito bem-vindas. Queria até dizer que, para nós, a melhor relação possível do Executivo com o Legislativo… então nós olhamos essas 27 propostas com grande interesse e valorizamos muito a presença delas”, disse a presidenta logo depois da divulgação das propostas, onde pontuou a liderança do PMDB no Senado”, disse a presidenta. (Clique aqui)

É a pax do mercado.

No fim das contas, como eu sempre disse, nunca se vislumbrou com seriedade a proposta de impedir a continuidade do mandato de Dilma, mas de fazer com que ela sangrasse até que não restasse outra alternativa a não ser adotar o programa derrotado na urnas no ano passado que, claro, não será cobrado como uma logro ao que foi dito durante a campanha.

Será o fim melancólico do “ciclo do PT” que, incapaz de enfrentar o adversário, será obrigado a se render e empunhar as bandeiras contra as quais se defrontou e derrotou nas urnas?

É o que veremos nas próximas semanas.

As propostas

Selecionei algumas propostas para alguns breves comentários. Algumas delas ainda serão desenvolvidas, o que já mostra o seu caráter polêmico.

Vamos a elas:

1) Segurança jurídica dos contratos: blindar as legislações de contratos contra surpresas e mudanças repentinas.

Essa conversa é velha e vem dos tempos de FHC. Trata-se de assegurar todo tipo de proteção para os super-lucros das empresas, principalmente estrangeiras, que se preparam para entrar com força no mercado brasileiro, especialmente na área de infraestrutura. Quem quiser ter uma ideia do que se trata, leia os contratos que regulamentaram as privatizações, por exemplo, do setor elétrico.

2) Aperfeiçoar marco regulatório das concessões, para ampliar investimentos em infraestrutura e favorecer os investimentos do Programa de Investimentos em Logística do Governo (PIL).

Concessões, leia-se, maior participação da iniciativa privada em setores antes controlados ou com predominante atuação do Estado. O governo Dilma já entregou os aeroportos (lucrativos) e rodovias (do centro-sul) para as grandes empresas administrarem.

3) terceirização (menos radical) e novo marco jurídico para o setor de mineração (“como forma de atrair investimentos produtivos”) e para áreas indígenas (“compatibilizá-las com as atividades produtivas”).

É a pauta que Eduardo Cunha destravou na Câmara, com floreios “regulatórios”. Enfim, a expansão da mineração vai ditar o ritmo da organização territorial em determinadas áreas do país, especialmente na Amazônia.

4) Revisão da legislação de licenciamento de investimentos na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas, como forma de incentivar novos investimentos produtivos.

Toda legislação que protege, hoje, minimamente essas áreas do avanço do mercado de hotelaria e todo tipo de empreendimento turístico estará em perigo. Vamos nos cuidar para não virarmos um Caribe.

O Estado

Além dessas questões, que atendem a interesses empresariais em diversos setores, existem as que implicarão em um reordenamento do Estado, também nessa direção da “flexibilização”, mas atendendo às exigências, especialmente do setor financeiro, de “economicidade”.

Fala-se, de maneira genérica, em “implantar a Instituição Fiscal Independente”. O que vem a ser isso? Independente de quem? Do Estado? Dos poderes constituídos? Que atue para atingir que objetivos em termos de arrecadação?

Pretende-se que o Estado venda “ativos patrimoniais (terrenos de Marinha, edificações militares obsoletas e outros ativos imobiliários da União” certamente para entregá-los a empresários do setor de hotelaria e turismo. Vamos raspar o tacho aqui.

Sem que também fique claro do que realmente seja, pretende-se “aprovar a Lei de Responsabilidade das Estatais, com vistas à maior transparência e profissionalização dessas empresas”.

Notem que a ideia de “transparência” aparece junto da de “profissionalização”, que, no jargão do mercado, vem a ser uma atuação das estatais distantes de qualquer projeto nacional de desenvolvimento, o que pode representar um retrocesso em relação ao que Lula começou a desenvolver em seu segundo mandato, e que promoveu, entre outras coisas, o renascimento da indústria naval.

Fala-se em “maior desvinculação da receita orçamentária” para dar “maior flexibilidade ao gasto público”. Isso me cheira um retorno à antiga DRU (Desvinculação das Receitas da União) de FHC, que permitiu ao governo de então mexer em gastos com percentuais constitucionalmente estabelecidos, como educação e saúde, com o objetivo de fazer caixa para pagamento de dívidas a bancos e “investidores”, o tal “superávit primário.

Existem outros contrabandos, como “ampliar idade mínima para aposentadoria” e o aperfeiçoamento – sabe-se lá o que essa turma entende por isso – do “marco jurídico e o modelo de financiamento da saúde”, mas a intenção parece clara: pretende-se que o Estado proíba o financiamento de tratamentos “experimentais onerosos” obtidos hoje através de liminares na justiça, o que vai representar o fim de qualquer esperança de sobrevivência para muita gente vitimada por doença grave, como certos tipos de câncer – menos aqueles que podem pagar por eles, a exemplo dos que elaboraram essa proposta.

No casa de “Avaliar possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda” isso pode significar um sério flanco para permitir a cobrança de procedimentos pelo SUS, o que fortaleceria ainda mais a saúde privada. Os mais ricos hoje só fazem uso do SUS para procedimentos (caros) não cobertos pelos planos de saúde. Isso incluirá os tratamentos contra AIDS, que hoje são gratuitos?

Para suavizar e deixar uma janela aberta por onde muita gente ligada ao petismo já entrou para abraçar a proposta, foi incluída a proposta de “Revisar resolução do Senado que regula o imposto sobre heranças, sobretudo quanto ao teto da alíquota, levando-se em conta as experiências internacionais (convergir com média mundial – 25%)”.

E o imposto sobre grandes fortunas, que nunca foi regulamentado, mesmo sendo uma determinação constitucional?

Enfim, essa é agenda que já está sobre a mesa de Dilma e representa o salvo-conduto que os empresários apresentaram contra o impeachment. Chegamos na política o que os economistas liberais chama de “ponto ótimo”, ou ponto de equilíbrio para que tudo volte à “normalidade”.

Será esse o preço da democracia?




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